Depois de sete séculos de laboriosos esforços para fermentar a massa rude da Europa bárbara, a Igreja pôde enfim observar a partir de 1050, como dos seus esforços nascia uma nova forma social, a Cristandade, amálgama estreita e vibrante entre a fé e a vida social, acuradamente estudada por Daniel-Rops neste terceiro volume da História da Igreja de Cristo. A fé viva e ardente que caracteriza toda esta época teve sem dúvida manifestações que hoje nos podem parecer excessivas, mas o balanço geral é extremamente sugestivo: o homem comum vive inserido numa sociedade transcendente, alentado pelos sacramentos, pela liturgia, pela pregação e pelas grandes peregrinações, e encara as suas ocupações de olhos postos em Deus, o que confere sentido e dignidade a tudo o que faz. Mas continua a haver – como sempre haverá – dificuldades e perigos que será preciso combater. Se já Constantino e Carlos Magno tinham tentado fazer da Igreja um instrumento dócil aos seus interesses, é somente neste período que ela conseguirá por fim libertar-se da tutela do poder temporal, graças à eleição dos papas pelos cardeais e à grande reforma levada a cabo por São Gregório VII, que subtrairá as nomeações de bispos e clérigos à influência dos senhores feudais, embora à custa da dolorosa Questão das investiduras. Outro perigo é a tentação permanente que a própria Igreja sofre de acomodar-se, de ceder à sede de poder e de riquezas a que os seus membros, como todos os homens, estão expostos. O apogeu do Papado, com Inocêncio III, acabará por ocasionar as querelas pela supremacia que opõem Bonifácio VIII ao rei Filipe o Belo, da França, e os papas de Avinhão aos imperadores. Mas não faltam, como em todos os tempos, as figuras providenciais dos grandes santos, que infundem nova vida e abrem caminho à renovação espiritual dos cristãos: São Bernardo, no século XII, São Francisco de Assis e São Domingos de Gusmão no XIII, são figuras que marcam com o seu selo toda a sociedade, fazendo-a voltar-se para Deus. O combate à violência através da nobre figura do Cavaleiro, a educação do amor, elevado acima do plano meramente sensual pelo matrimônio cristão, o alívio dos sofrimentos físicos mediante as Ordens dedicadas aos hospitais e albergues e ao resgate dos cativos, a educação do povo pelo estabelecimento de escolas de paróquias e catedrais, a criação das Universidades, centros de uma imensa fermentação intelectual nos séculos XIII-XIV – são algumas das tarefas levadas a cabo pela Igreja nestes séculos, e que permitem ter uma idéia do seu imenso esforço humanitário e civilizador. É enfim a Catedral, “suma” das artes do tempo, que representa como que a concretização e o símbolo desses séculos dispostos a “construir para Deus” com uma fé e uma tenacidade inigualáveis. A diferença de mentalidades que separam o medieval do homem contemporâneo talvez apareça com maior clareza nas Cruzadas. É um mosaico grandioso de claros e escuros, em que a nobreza de um Godofredo de Bulhões ou de um São Luís se encontra associada ao cálculo e mesquinhez, e às vezes à crueldade e traição, de tantas figuras de segundo plano. O fracasso definitivo dessas tentativas de estender a Cristandade por meio das armas abriu caminho, porém, às grandes tentativas missionárias que levaram à fundação do primeiro bispado católico na China e aos esforços de um Raimundo Lúlio, gênio polimórfico, por converter os muçulmanos pela persuasão. E se Bizâncio, após o cisma, tende cada vez mais para a ruína, na Rússia estende-se cada vez mais o cristianismo oriental.
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